Empreendedorismo internacional e born globals: uma ilustração a partir da Cooperacre (Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre)

Por Prof. Me. Jean Marcos da Silva


O ano é 2001. Um ano após a virada do século XX para o século XXI. A expectativa era enorme (afinal, muita gente apostava que o fim do mundo, previsto para 01-01-2000 às 00h00min, ainda fosse ocorrer, embora atrasado). Bush tomava posse na presidência dos Estados Unidos. Época do atentado contra as torres gêmeas nos Estados Unidos. No Brasil, acontecem três explosões na plataforma da Petrobrás, no Rio de Janeiro, considerado um dos maiores acidentes do ramo petrolífero brasileiro. Também é anunciado o plano brasileiro de racionamento de energia elétrica para reduzir 10% do consumo de energia. Patrícia Abravanel, filha de Silvio Santos é sequestrada. Só coisa de terceiro mundo.

Na Amazônia faltava estrada, o desmatamento persistia e as pessoas continuavam com dificuldades para agregar valor à produção extrativa (pupunha, castanha, açaí etc). É neste contexto que Manoel José e Antônio Mendes fundam a Cooperacre. De acordo com o site da instituição, a cooperativa está “[...] localizada em Rio Branco e é hoje responsável pela maior produção de castanha beneficiada do país e com planos de se tornar a maior do mundo”. Hoje o faturamento anual da cooperativa está em torno de R$ 70 mi., comercializando em pelo menos 10 países europeus, inclusive na Alemanha.

Este é um texto sugestivo. Interrogativo. Apelativo. De escrita livre, apenas ilustra a temática de empreendedorismo internacional e born globals com a história da Cooperacre. As informações sobre a Cooperacre foram extraídas de sites de jornais locais do Estado do Acre e da própria página da cooperativa. Adotou-se a estratégia de notas teóricas sobre empreendedorismo e born globals, com a correspondente relação histórica da Cooperacre. Segue a primeira nota teórica.

Nota teórica 1: De acordo com Schweizer, Vahlne e Johanson (2010) quando as empresas atravessam fronteiras acontece o que se denomina de internacionalização. Os autores propõem ajustes nos estudos seminais de Vahlne e Johanson a fim de incluir aspectos empresariais do processo de internacionalização. Trata-se de um processo crescente de envolvimento em mercados internacionais. O produto estrela da Cooperacre é a castanha-da-amazônia. Desde a fundação da cooperativa a intenção de explorar os mercados estrangeiros foi uma realidade. O mercado europeu possui uma tendência ao consumo de nozes, como a castanha brasileira o que, de certo modo, é uma vantagem competitiva do produto.

Nota teórica 2: Os autores Schweizer, Vahlne e Johanson (2010) fazem uma provocação defendendo que as dificuldades para acessar o mercado estrangeiro são basicamente as mesmas para acesso ao mercado doméstico. De acordo com os autores, o modelo de rede do processo de internacionalização demanda uma relação de confiança, envolve compromisso de relacionamento e oportunidades de aprendizado. De acordo com o fundador da Cooperacre, no início dos anos 2000, a cooperativa recebeu o apoio de um grupo estadunidense para trabalhar com conjunto com uma equipe brasileira visando melhorias na gestão administrativa.

Nota teórica 3: Ainda seguindo o trabalho de Schweizer, Vahlne e Johanson (2010), os autores defendem o conceito de empreendedorismo internacional como uma propensão a perceber oportunidades, com sensibilidade aos problemas de usuários. Eles argumentam que alguns indivíduos percebem oportunidades e outros não, e isso acontece em função das diferenças de personalidade (otimismo, criatividade), à experiência anterior e à quantidade de tipo de informação que possuem. Os fundadores da cooperativa em análise, Manoel José da Silva e Antônio Mendes de Oliveira, são seringueiros no estado do Acre. O patrimônio em torno da Cooperacre que construíram é um indicativo que possuem caracaterísticas empreendedoras, além de informações em quantidade suficiente para lidar no mercado da castanha-da-amazônia, até mesmo em função de sua experiência com este ramo no mercado. Além disso, o envolvimento com uma equipe americana para ajudar na concepção da cooperativa demonstra seu olhar para o exterior. Os autores Schweizer, Vahlne e Johanson (2010) ainda citam a perda acessível como características do empreendedor internacional.

Nota teórica 4: De acordo com Mtigwe (2006) há diversas teorias sobre internacionalização de empresas, contudo todas parecem convergir para o empreendedorismo internacional. O autor faz uma análise das teorias clássicas, teoria do IDE, teoria da internalização, teoria eclética, teoria da vantagem dos recursos e as teorias da internacionalização. Mtigwe (2006) lembra que Adam Smith com seu livro ‘A riqueza das nações’ foi responsável pela teoria seminal em internacionalização: a teoria da vantagem absoluta, na qual defende que ocorre uma oportunidade de negócio no exterior, se o país tiver uma vantagem absoluta na produção de um bem específico. A Cooperacre tem a castanha-da-amazônia como uma matéria-prima de seu produto ‘estrela’. Pode-se dizer que o Brasil possui uma vantagem absoluta na disponibilidade dessa matéria-prima, pois trata-se de um ativo específico da Amazônia, cuja maior extensão territorial está no Brasil. É a especificidade do ativo como uma vantagem competitiva da Cooperacre.

Nota teórica 5: Gabrielsson e Kirpalani (2004) abordam as denominadas born globals. Para os autores, a literatura aponta as seguintes características para que uma empresa seja considerada uma born global 1) visão e estratégia para se tornar global 2) pequenas empresas orientadas para a tecnologia 3) tempo para se tornar global que varia de imetiato a até três anos 4) expansão geográfica de vendas externas, com pelo menos 25% no exterior 5) expansão geográfica fora do continente com pelo menos 50% das vendas externas. Observando o caso da Cooperacre não foi possível encontrar informações que levassem a acreditar que a cooperativa tivesse uma visão estratégica com foco no mercado global, embora tenha havido desde o início uma contato com pessoas no exterior, não se percebe, por exemplo, que a empresa tenha se orientado para a tecnologia.

Por fim, a intenção deste texto foi refletir sobre as teorias de internacionalização a partir da realidade da Cooperacre, uma cooperativa localizada no Acre. E destacar que no contexto de criação da cooperativa havia diversos acontecimentos no mundo e no contexto local das mais variadas naturezas. Contudo, as dificuldades foram superadas, indicando atitude empreendedora para superar os desafios e apresentar soluções para as pessoas.

REFERÊNCIAS

SCHWEIZER, R.; VAHLNE, J. E.; JOHANSON, J. Internationalization as an entrepreneurial process. J Int Entrep, 2010.

MTIGWE, B. Theoretical milestones in international business: The journey to international entrepreneurship theory. J Int Entrepr, 2006.

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