Gestão das mudanças climáticas: as fronteiras importam?

Por Prof. Me. Jean Marcos da Silva e Lívia Roberta Bruch


As seguintes manchetes veiculadas na mídia durante os primeiros meses da pandemia do vírus SARS CoV 2019: 1) ‘Poluição do ar em São Paulo diminui 50% na primeira semana de quarentena[1]’; e 2) Coronavirus: Venice canals clearer after lockdown[2], introduzem este texto. A primeira, refere-se ao Brasil, a segunda, à Itália. Contudo, ambas tem algo em comum: o efeito positivo de políticas de isolamento e restrição de circulação de pessoas para o meio ambiente. Embora sejam acontecimentos em lugares distintos, há uma certeza: o excesso de consumo, a ganância do ser humano e a produção em massa intensificam as mudanças climáticas. Não há dúvidas de que as fronteiras não importam muito quando o assunto são as consequências das ações do homem no meio ambiente, mas quando o debate é a gestão dessas mudanças, será que as fronteiras importam? Como as multinacionais que interagem com diversos países lidam com o assunto? Este texto procura respostas a essas questões.

QUADRO CONCEITUAL: PESQUISAS SOBRE O TEMA

Daddi et al. (2019) estudaram as mudanças climáticas a partir da teoria institucional em empresas de manufatura na Itália, avaliando como as ações coercitivas, normativas e miméticas tem impacto sobre as estratégias das empresas. Os autores concluíram que empresas italianas que percebem pressões normativas e miméticas tem maior probabilidade de serem sensíveis às questões relacionadas às mudanças climáticas. Traduzindo em outras palavras, o que Daddi (2019) verificaram, com base em dados de mais de 400 empresas, é que os empreendimentos tendem a adotar práticas ambientais influenciadas por práticas de profissionais que atuam na empresa, sistema educacional e associações de classe (pressões normativas). Além disso, há uma pressão para a imitação de outras empresas, isto é, as organizações costumam observar o que as demais estão praticando e costumam segui-las, pelo desejo de não ‘ficar para trás’, provavelmente pressionadas pelos consumidores e clientes.

Os recentes estudos de Daddi et al. (2019) fazem uma leitura a nível nacional sobre as estratégias adotadas pelas empresas para lidarem com as mudanças climáticas. Em pesquisa anterior, Kolk e Pinkse (2007) analisaram o tema sob uma perspectiva internacional, os autores exploram as dimensões políticas internacionais de empresas multinacionais. O cenário é diferente daquele apontado em Daddi et al. (2019), pois envolve a arena global. Embora o tema das mudanças climáticas tenham implicações globais, e ainda haja protocolos internacionais, como a carta de intenções assinada na Rio-92, não restam dúvidas de que o mundo ainda não é totalmente global. Há muitas questões, sobretudo no âmbito demográfico e cultural, que ainda é restrito internamente às fronteiras. A pesquisa de Kolk e Pinkse (2007) demonstrou isso. Baseando-se na abordagem processual de Hillman e Hitt (1999) apud Kolk e Pinkse (2007), os autores procuraram explicar as estratégias utilizadas pelas multinacionais quanto às políticas voltadas às mudanças climáticas.

Kolk e Pinkse (2007) concluíram que as multinacionais tendem mais às políticas dos países de origem e menos àquelas encontradas nos países de destino, o anfitrião. De todo modo, as empresas multinacionais interagem na arena política. Quanto às estratégias políticas adotadas pelas multinacionais analisadas, predominam as estratégias informacionais, aquelas que visam levar informações para os fazedores de políticas por meio de lobby, financiamento de pesquisa, relatórios técnicos e de opinião. As empresas tentam, através de estratégias de informação, orientar os formuladores de políticas na direção de seus tipos de políticas prediletas. Entre as quais nota-se uma preferência por políticas que funcionem dentro do mecanismo de preços, tais como os créditos de carbono. Estratégias políticas de incentivo financeiro aos fazedores de políticas e construção de uma base de apoio não apareceram nos dados, Kolk e Pinkse (2007) argumentam que ainda que as multinacionais utilizem dessas estratégias, dificilmente isso seria divulgado por apresentar uma linha muito tênue entre o que é ou não moralmente correto.

Ainda neste contexto internacional, Alves et al. (2019) estudaram os Planos Nacionais de Adaptação-NAPs (NAPs – em inglês National Adaptation Plans/Strategies) de 13 países, desenvolvidos e emergentes, a respeito das estratégias usadas para conter as mudanças climáticas. A análise desses NAPs mostra duas lógicas diferentes de adaptação: enquanto nos países desenvolvidos estudados o foco está nos riscos e oportunidades econômicos (mecanismo de preços), nos países em desenvolvimento o foco está principalmente nos recursos naturais e na conservação. Estas pesquisas possuem uma clara relevância para a temática de mudanças climáticas, uma vez que Damert & Baumgartner (2017) constataram que, em 2011, a participação do setor de transporte nas emissões globais de dióxido de carbono (CO2) foi de 22%. O transporte rodoviário é a principal fonte de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), exibindo uma imensa taxa de crescimento de 52% entre 1990 e 2011, especialmente nos países em desenvolvimento.

CONCLUSÃO

Por fim, o quadro conceitual apresentado, baseando-se nos estudos de Daddi et al. (2019), Damert e Baumgartner (2017), Alves et al. (2020) e Kolk e Pinkse (2007) evidenciam que as empresas demonstram estratégias voltadas para conter as mudanças climáticas. As organizações estão muito mais cooperativas neste sentido, contudo, ainda preferem acompanhar as políticas de seus países de origem, ao invés daquelas defendidas pelo país anfitrião. Sem, contudo, deixar de responder ao país de destino e, até mesmo, participar por meio de estratégias políticas de informação, conforme Kolk e Pinkse (2007).

As pesquisas de Alves et al. (2019) reafirmam que as fronteiras continuam importando quando o tema é mudança climática. Os autores confirmaram que os NAPs dos 13 países em análise apresentaram diferenças entre si. Além disso, a literatura tem questionado a existência de um mundo global em que todas as coisas são parecidas em todos os países. Sem dúvida, essas fronteiras podem estar menos evidentes atualmente, mas a cultura, as formas de vida e as respostas dadas às questões das mudanças climáticas continuam variando a depender do país. Os Estados Unidos de Bush, por exemplo, recusou completamente o protocolo de Kyoto na década de 2000. Fica claro que as fronteiras importam, e as multinacionais precisam lidar com isso.


[1] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/04/08/poluicao-do-ar-em-sao-paulo-diminui-50percent-na-primeira-semana-de-quarentena.ghtml

[1] https://www.bbc.com/news/av/world-europe-51943104/coronavirus-venice-canals-clearer-after-lockdown

REFERÊNCIAS

DADDI, T et al., The influence of institutional pressures on climate mitigation and adaptation strategies, Journal of Cleaner Production, https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2019.118879, 2019.

IORDANIS, E.; EVGENIA, A., Measuring the level of corporate commitment regarding climate change strategies, International Journal of Climate Change Strategies and Management, v. 9 Issue: 5, 2017.

KOLK. A.; PINKSE, J. Multinationals' Political Activities on Climate Change. Business Society. v. 201 n. 46, 2007.

ALVES, F. et al. Climate change policies andagendas: Facing implementation challenges and

guiding responses. Environmental Science and Policy 104, 2020.

DAMERT, M.; BAUMGARTNER, R. External Pressures or Internal Governance – What

Determines the Extent of Corporate Responses to Climate Change? In. Corp. Soc. Responsib. Environ. Mgmt. 2017.

Confira também o card publicado em nosso Instagram:

https://www.instagram.com/lab.siga/