Dimensões da Globalização: as fronteiras ainda importam?

Por: Prof. Me. Jean Marcos da Silva

Dimensões da Globalização: as fronteiras ainda importam?

A primeira vez que ouvi falar no termo Globalização foi na escola, durante meu ensino médio no interior de Rondônia, em meados da década de 2000. Naquela época o tema foi apresentado por um professor de história que utilizou uma abordagem sensacionalista. O professor dizia que estávamos conectados mundialmente pela internet, mas notava-se que a minha pequena cidade ainda não; ele dizia que as culturas estavam se misturando, mas duvido que uma família no interior dos Estados Unidos vivia como a minha; e, meu professor também comentava que as pessoas viajavam de um lado para outro da Terra, mas eu e muitos de meus colegas nunca tínhamos saído da nossa cidade natal.

Hoje, a pergunta de Grasset (2004) que intitula o livro “Globalização para quem?” faz muito sentido. Provavelmente não era para minha pequena cidade natal, minha família, eu e meus colegas. Junto a esse questionamento, me surge a pergunta: as fronteiras ainda importam ou importavam em meados da década de 2000?

O economista Ghemawat (2012), ao escrever seu livro ‘Mundo 3.0: como alcançar a prosperidade global’ vislumbra 4 mundos ao longo dos tempos: 1) mundo 0.0, ou o estado de natureza de Thomas Hobbes, no qual a vida, na ausência do governo, era 'sórdida, selvagem e curta'. Nossa espécie passou quase toda sua existência em um mundo selvagem. Esse mundo pertenceu aos nossos ancestrais; 2) mundo 1.0, aqui a humanidade avançou. A população cresceu 100 vezes e o PIB mais de mil. Mas sem dúvida a maior mudança ocorreu no campo da organização social. Mais precisamente após o ano de 1600 começa o mundo 1.0, quando o mundo se organiza em Estados-nações. Surgem esforços cooperativos que passaram de um nível local para um nacional;

Continuando, 3) mundo 2.0, há preponderância da concorrência. É a ideia dos mercados integrados e desregulamentados. Menos participação do governo. Acredita-se que as falhas de mercado são sérias, mas as dos governos, são piores ainda. Esse mundo 2.0 é o mundo das conexões fronteiriças exageradas; 4) mundo 3.0, é o mundo que reconhece os níveis reais de integração internacional, leva em consideração a geografia e outras formas de diferença que costumam afetar os fluxos internacionais e se baseia no empírico. O mundo 3.0 surge em um contexto de mudança em que os extremos (Estado não deve intervir ou Estado precisa agir ou ainda não deve haver Estado) são criticados.

Os mundos 0.0 e 1.0 representam uma abordagem de ‘nós contra eles’ que ignora completamente o bem-estar dos estrangeiros (ideia de Hitler por exemplo). E o mundo 2.0 não tem nós ou eles e dá o mesmo peso ao bem-estar estrangeiro e doméstico.

Ghemawat (2012) denomina o mundo 3.0 como semiglobalização, chegando a afirmar “[...] eu associava a globalização à desregulamentação colocando ambos no mesmo extremo cujo lado oposto era caracterizado por regulamentação e fortes fronteiras nacionais”. Por fim, o autor apresenta diversos dados estatísticos para demonstrar o baixo percentual de integração do mundo quanto às chamadas telefônicas, intercâmbio de universitários, imigração, internet, mídia entre outros. A tese do autor é que a famosa globalização sensacionalizada por muitos, não existe nos patamares apresentados no mundo 2.0.

Em parte em função das limitações impostas pelas regulamentações administrativas (leis alimentares, regras para padronização de rótulos nutricionais), geográficas (distâncias entre os países), econômicas (implícita na taxa de câmbio) (Ghemawat, 2012, p. 43).

Seguindo esse tema da Globalização, Grasset (2004) escreveu um livro denominado ‘Globalização para quem’, que complementa Ghemawat (2012) no sentido de questionar se seria possível uma globalização total: econômica, social, científica, cultural? O livro trata-se de uma coletânea de palestras de diversos painelistas abordando o assunto globalização como tema comum. Ao longo do livro, encontra-se capítulos como ‘A terra encolheu’, escrito por Yves Lacoste; ‘Informações, mercadorias’, de Franz Giesbert; ‘Globalização com ou sem valores’, de Monique Sperber; ‘Cidadania e Globalização’, de Dominique Schnapper; ‘Alguns prejuízos colaterais da mundialização’, de Arundhati Roy, entre outros temas.

Os painelistas abordam a sensação de que com a globalização tem-se a impressão de que a terra diminuiu, contudo, o que aconteceu foi que o acesso à informação é que tem dado esse sentido ao mundo, que pode fazer com que as decisões tomadas no outro lado do mundo sejam sentidas imediatamente. Além disso, o aumento exponencial da população também contribui para essa impressão. Nesse século, as informações tornaram-se mercadorias comprados como um produto nos supermercados, sem analisar e verificar suas fontes.

Monique Sperber, em Grasset (2004), questiona se tal mundo é melhor do que um mundo mais compartimentado, onde as culturas são separadas umas das outras? Que nosso mundo se torne um mundo comum a todos? Monique Sperber defende que o que causa dificuldade não é a globalização em si mas aquilo que vem com ela (alteração dos modos consumo, trabalho, invasão cultural, exportação de produtos sem a experiência histórica desse país). Contudo, exportar produtos é possível, mas moldar culturas e valores demandam trabalho e tempo de interiorização e maturação (Monique Sperber). Globalizar a cultura exige um trabalho no sentido de respeitar a dignidade da pessoa humana, e a importância de todas a culturas.

Por fim, a mensagem do livro de Grasset (2004) é sintetizada no painel de Junzo Cawada: primeiro, a globalização não é um efeito espontâneo. Resulta de decisões tomadas de maneira totalmente intencional. Segundo, a globalização repousa sobre a força. Terceiro, a globalização não é equânime, pois no plano material grande parte da humanidade não se beneficia dela aumentando a defasagem entre um pequeno número de ricos e um grande número de pobres.

Esse terceiro aspecto apresentado por Junzo Cawada é a essência também do livro de Stiglitz (2002), denominado ‘A globalização e seus malefícios’. Há no livro do autor a mesma concepção macroeconômica vista em Ghemawat (2012) sobre o papel do Estado na economia. A tese de Stiglitz (2002) é que enquanto nos países em desenvolvimento predomina o Estado mínimo, nas economias desenvolvidas sobressaem as políticas keynesianas. O que acentua as desigualdades. Embora não se possa dizer que os dois primeiros livros se inspiraram em Stiglitz (2002), já que este foi escrito antes, 2002, é possível afirmar que os três livros concordam no seguinte: a globalização absoluta torna-se impossível; é preciso equilibrar a participação do Estado e a dignidade da pessoa humana precisa ser respeitada em processos de globalização.

Retornando ao meu professor sensacionalista do Ensino Média fica claro que a Globalização não chegou aos patamares defendidos por ele. Afinal, as fronteiras ainda continuam e importam sobretudo em relação aos valores e cultura. É evidente que algumas culturas são mais hierarquizadas que outras. O presidente da Holanda não é tratado com ‘tapete vermelho’, mas se vier ao Brasil, será. O alemão entregaria um amigo que matou um pedestre por acidente, já o americano possivelmente não o faria em função do seu senso de lealdade. Essas fronteiras (ou divisas) ainda existem no interior de um País. O rondoniense conhece um amigo em um dia, no outro já está tocando a campanhia da casa do ‘novo amigo’, já o gaúcho talvez tenha mais cerimônia. E o que falar da linguagem? Que coloca empresas como Google em maus lençóis para tornar seus produtos acessíveis em todos os países. Você já tentou traduzir um texto do alemão para o português no Google Tradutor? Realmente, o mundo 2.0 nos enganou e, meu professor também.

Por fim, há ainda muito a ser discutido antes de uma mundialização. É preciso aproveitar, inclusive, as oportunidades de integração existentes dentro das fronteiras nacionais, e não somente entre elas desde que se respeite da cultura de cada local.


REFERÊNCIAS

GHEMAWAT, Pankaj. Mundo 3.0: como alcançar a prosperidade global. Porto Alegre: Bookman, 2012.

GRASSET,. Globalização para quem? São Paulo: Futura, 2004.

STIGLITZ, J. E.; A globalização e seus malefícios. São Paulo: Futura, 2002.


Observação: este texto foi escrito para a disciplina de negócios internacionais do doutorado em Administração da Universidade Federal de Santa Maria-UFSM, ministrada pela professora dra. Flávia Scherer.